Não são de suas palavras que sinto falta. Não é da sua voz meio burralda e do seu bocejo alto demais para me calar e me implorar menos sentimentos. Não é, tampouco, do seu abraço. Sua presença sempre deixou lacunas e friagens que zumbiam macabramente entre tantas frestas sem encaixe.
Não sinto saudades do seu amor, ele nunca existiu, nem sei que cara ele teria, nem sei que cheiro ele teria. Não existe morte para o que nunca nasceu.
Sinto falta mesmo, para maior desespero e inconformismo do meu coração metido a profundo, de lamber suas coxas, a pele mais lisa atrás dos joelhos. Lamber sua virilha, sentir seu cheiro, brincar com seu umbigo, respirar sua nuca, engolir sua simplicidade, me rasgar com sua banalidade, calar sua estupidez, respirar seu ronco, tocar sua inexistência, espirrar com sua fumaça.
Sinto falta da perdição involuntária que era congelar na sua presença tão insignificante. Era a vida se mostrando mais poderosa do que eu e minhas listas de certo e errado. Era a natureza me provando ser mais óbvia do que todas as minhas crenças. Eu não mandava no que sentia por você, eu não aceitava, não queria e, ainda assim, era inundada diariamente por uma vida trezentas vezes maior que a minha. Eu te amava por causa da vida e não por minha causa. E isso era lindo.
Simplesmente isso. Você, uma pessoa sem poesia, sem dor, sem assunto para agüentar o silêncio, sem alma para agüentar apenas a nossa presença, sem tempo para que o tempo parasse. Você, (...) responsável por todas as minhas manhãs sem esperança, noites sem aconchego, tardes sem beleza.
Sinto falta da raiva, disfarçada em desprezo, que você tinha em nunca me fazer feliz, sinto falta da certeza de que tudo estava errado, mas do corpo sem forças para fugir, sinto falta do cheiro de morte que carregávamos enquanto ainda era possível velar seu corpo ao meu lado, sinto falta de quando a imensa distância ainda me deixava te ver do outro lado da rua, passando apressado com seus ombros perfeitos (...). Sinto falta da sua tristeza, disfarçada em arrogância, de não dar conta, de não ter nem amor, nem vida, nem saco, nem músculos, nem medo, nem alma suficientes para me reter.
Sinto falta do mistério que era amar a última pessoa do mundo que eu amaria.
(Tati Bernardi)